sábado, 21 de maio de 2016

Palestra Vesak no Jai Vida

Feriado nos países Theravada – Iluminação, aniversário e morte do Buddha.
Sem data definida, cai na primeira lua cheia de Maio. Ocasião de proporcionar a felicidade de outros.
Gostaria que todos saíssem com uma ideia um pouco melhor de: quem foi Buddha, o que foi seu despertar e porque isso importa para nós.
Parte 1 – Meditação
Quem pratica meditação?
A tradição ensina inúmeras técnicas e métodos sobre meditação. Essas técnicas existem desde a época anterior ao Buddha. O Buddha mesmo ensinou principalmente os princípios da meditação. Ele não estavam interessado em dizer: pratique assim! Cruze as pernas! Faça 3h por dia de meditação, e 200 flexões. Ele estava mais interessado em ensinar como as coisas funcionam.
Para fazemos isso, a primeira coisa que precisamos lembrar é que nós meditamos percebendo o que está acontecendo no nosso corpo e em nossa mente.
Eu não sei o que vocês acham, mas me parece curioso como nós temos nomes e classificações para tantas plantas e animais que existem, mas pouquíssimos nomes para toda a nossa fauna e flora de experiências interiores. Mas quantos será que precisamos?
O Buddha menciona alguns, quatro na verdade. São os fundamentos da atenção plena. Eu gostaria de começar convidando todos vocês para meditarmos por alguns momentos, e a explorarmos juntos estes aspectos da nossa experiência. Pode ser?
Prática (sentado ou em pé, o que for mais confortável)
Sempre que sentar-se para meditar, conecte-se com a sua intenção ou propósito. Por que você está aqui? Curiosidade? Para aventurar-se? Talvez você está buscando algo, e não sabe bem o que? Algum motivo desconhecido?
Tente dar um nome para essa experiência. Apenas temporário, nada definitivo; e conecte-se com a sua intenção de estar presente aqui e agora neste momento.
i. O que você sente no seu corpo agora? Quais são as sensações que presentes? Seu bumbum na almofada? Seu pé no chão? É quente ou frio? Forte ou fraco? Longo ou curto? Dê uma resposta interior para si mesmo, em tom claro e gentil: sensação forte; ou sensação quente; ou apenas sentindo.
ii. Qual o tom afetivo destas sensações: são prazerosas, talvez dolorosas; ou ainda quem sabe, nem um nem outro – sendo neutras?
iii. Talvez você perceba surgir alguns objetos mentais, como imagens, memórias, vozes, ideias. Quando você percebe elas, quanto tempo elas duram? Onde elas surgem no espaço do seu corpo? Gentilmente, nomeie aquela experiência que estiver acontecendo com mais frequência: dialogando internamente; ou vendo; ou lembrando.
iv. Há algum estado presente? Felicidade, tristeza, ansiedade? Onde no seu corpo você pode sentir isso? Tem algo que você está segurando? Gentilmente dê um nome ao que está surgindo na sua experiência. Perceba quantas vezes no curso da meditação esta experiência surge para você; e perceba também como ela é em cada vez que surge. É a mesma, ou é diferente?
“ACalma”
Muitas pessoas procuram a meditação para sentirem-se mais calmos. Elas sentam-se, e dizem para si mesmas: “fique quieto! fique calmo!” Apenas para descobrir que ninguém responde bem a ordens deste tipo.
A calma da meditação é diferente. Não é de obediência, nem de quem está com a vida ganha e resolvida. Muito pelo contrário…é a de quem está confortável com o caos ou a ordem da própria experiência! Nós sentamos e observamos. Notamos o que surge. Ok, esta é a situação: há medo presente, ou há confusão presente, ou até mesmo um pouco caos. Tudo que surgir, no fim, serão apenas sensações, tom afetivo, objetos mentais e estados.
Não há o que temer, basta estar aberto. É como naquele poema do poeta sufi Rumi:
Nossa vida humana é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a pequena maldade,
alguma percepção momentânea vem,
como um visitantes inesperado.
Receba e entretenha a todos,
mesmo que seja uma multidão de aflições,
que violentamente varre sua casa, e despeja os seus móveis.
Ainda sim, trate seus hóspedes com honras,
Eles podem estar te preparando para uma nova alegria.
O pensamento sombrio, alguma vergonha, a malícia,
recebe todas elas na porta, e convide para entrar.
Seja grato a quem vem,
porque cada um foi enviado como um guardião do além
Parte 2 – Fala
Gostaria de falar brevemente sobre o Buddha e depois abrir para algumas perguntas.
O Buddha foi o primeiro existencialista. É o que diz um grande amigo meu. Um dia ele estava andando pelas ruas de Lumbini – uma cidade aos pés do Himalaia – e percebeu que iria morrer.
Até então ele tinha levado uma vida muito boa, sob todos os aspectos convencionais – e para os parâmetros da época: maios ou menos século V antes de cristo. Seu pai era rei, ele era um príncipe, com uma esposa e um filho. No seu futuro poderia esperar governar sobre os Sakhyas. Mas por algum motivo nada mais daquilo fazia sentido, e ele queria apenas sair. Na calada na noite, foi embora. Trocou suas vestes – coisa fina, roupa de príncipe – por trapos que encontrou e começou viver como um andarilho mendicante.
O que ele descobriu em sua vida de asceta, e em busca de uma resposta para a vida, não foi algo concreto, que podia segurar firme e dizer: eis a resposta! εὑρεκα! E talvez por isso o Dharma seja algo delicado, sutil, de ensinar.
Todos ouvimos falar do despertar do Buddha como o seu nirvana. Normalmente esta é uma palavra que nos traduzimos como extinção, um fim – tal como a chama de uma vela que se apaga. Mas essa ideia parece ter uma conotação um pouco negativa, não é? Apagar, deixar de existir… Além disso, na época do Buddha muita gente acreditava que estamos condenados a nascer e re-nascer várias vezes; e nirvana é apenas o fim disso. Será que o nirvana então é algo como morrer de vez?
Eu acho que não. Na verdade, a imagem do fogo é muito boa, mas para entende-la de verdade precisamos saber um pouco sobre o que ela significava na época do Buddha. Os indianos tinham uma ideia muito peculiar sobre como o fogo funciona – lembrem-se estamos falando do século V antes de cristo. De modo simples, eles consideravam que o fogo está preso ao pavio da vela; e àquilo que queima. Apenas quando ele apaga, está finalmente livre.
Nirvana, meus amigos e amigas, é isso afinal: um soltar-se, libertar-se completamente. É o fim das amarras. O Buddha não ensina algo para você pensar ou segurar e chamar de “meu”. Não ensina algo, ensina como.
À noite, pedi a um velho sábio
que me contasse todos os segredos do universo.
Ele murmurou lentamente em meu ouvido:
– Isto não se pode dizer, isto se aprende.
Como soltar-se e estar livre em meio a um mundo condenado a ficar dando voltas ao redor de si mesmo, como um cãozinho que não percebe que persegue o próprio rabo.
Como fazer isso passa pelo belo caminho do meio, e por todos os ensinamentos sobre o Nobre Caminho Óctuplo, e pela prática de Vipassana. Mas eu gostaria de deixar algo tempo para vocês perguntarem. Ou será que já estão todos despertos…?
Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.

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