sábado, 29 de abril de 2017

Tabelas com Ensinamentos

Principais ensinamentos do Dharma
(Traduzido de Art’s Buddhist Cheat Sheet)



Samatha-Vipassana: o que você precisa saber

Estágios de Meditação Vipassana

Você sabia que todos que praticam Vipassana atravessam certos territórios específicos em uma ordem previsível? Que sintomas aparentemente negativos em um retiro como: mais dor e mais dificuldade em perceber as sensações físicas podem significar progresso?  A primeira coisa que todos deveriam saber antes de entrar em um retiro de meditação é que ele raramente será uma experiência de serenidade e tranquilidade como muitos imaginam. Dos primórdios do buddhismo (e.g. nikayas e agamas chineses), passando pelos comentários medievais como o Visuddhimagga, à trabalhos recentes de Psicologia baseada na Atenção Plena e do Venerável Mahasi Sayadaw, houve um esforço por descrever o padrão de experiências atravessados por todos que se dedicam à pratica de meditação com objetivo de alcançar os diferentes níveis do despertar. O primeiro deles é conhecido como a entrada na correnteza e, como você verá pela tabela e descrições abaixo, trata-se de um processo com altos e baixos, e que demanda alguma disposição de lidar com desafios e oscilações.



Se você já tem praticado meditação, e se já fez algum retiro, você sabe que as experiências oscilam e nem sempre são necessariamente agradáveis. O que muitos desconhecem, é que a melhor atitude a ser adotada quando praticamos é que não existem sensações, emoções, pensamentos ou estados mentais certos ou errados. Muitas coisas podem acontecer. Coisas triviais e entediantes, coisas absurdas e assustadoras, e coisas maravilhosas. Nenhuma delas tem importância particular e todas fazem parte de uma experiência maior de estar vivo. Ao invés de refletir sobre tudo o que acontece, nós apenas percebemos estas experiências no nível das sensações, notamos que surgiram ou passaram, e voltamos a nossa atenção para um objeto principal que pode ser a postura do corpo físico ou a respiração. O objetivo, se podemos falar de algum, é apenas observar como todas experiência vem e vão. Absolutamente todas são transitórias quando observadas no nível da experiência direta das sensações.

Para atravessar e conhecer os estágios descritos, será preciso praticar com alguma intensidade. Não estamos falando de um sacrifício mortal, como passar um ano em uma caverna, mas tampouco sentar-se por 30 minutos por dia será suficiente. A maior parte das tradições que colocam uma ênfase grande em Insight direto (i.e. em Vipassana) fazem retiros com duração de 10, 15 ou 20 dias, com aproximadamente 10-14h de prática ao dia – geralmente alternada entre sentada e andando. O motivo é muito simples: alcançar a entrada na correnteza (o primeiro estágio no qual mudanças permanentes começam a acontecer na mente e no cérebro através da meditação) exige tremenda continuidade de prática e esforço. O processo pode ser comparado à carregar uma enorme pedra ladeira acima. À cada distração e desvio, ela começa rolar ladeira abaixo e temos que retomar de onde parou (por isso o progresso nem sempre é linear). 

Saiba que nem todos têm todas as experiências descritas em “manifestações comuns”. Alguns estágios em particular podem ser difíceis e longos para alguns, mas rápidos e indolor para outros. Em um retiro pode ser mais fácil visualizar cada etapa (ñana), enquanto na prática diária pode ser difícil observa-los e progredir (o que não significa que devemos deixar de praticar no dia-a-dia). É interessante notar que técnicas de meditação diferentes podem revelar ou trazer à tona diferentes aspectos, mas independente da técnica, tradição, e estilo de prática, os ñanas são os mesmos. Não seria difícil colocar nesta tabela mapas de outras tradições, como os 10 estágios da caça ao boi do Zen, os Bhumis tibetanos ou ainda descrições de Tereza de Ávila que aparecem no “Castelo Interior, ou Moradas”. Os ñanas de vipassana são uma experiência humana universal, que pode ser descrita de muitos modos diferentes (cf. Wilber, Brown & Eagler, 1986).

1. Estágios Iniciais (ñanas #0-3)

“O que diabos é meditação, e porque eu deveria estar fazendo isso? Uau isso é maravilhoso. Mas…certamente não estou fazendo certo. Há algo de errado comigo. Minha respiração não está funcionando bem. Estou me sentindo um robô. Passo perto de alguém e vejo ele se mexer por minha causa. Sensações físicas tem provocado pensamentos. Estou sentindo tanta dor e tenho tido memórias horríveis. Por que meu corpo está se mexendo sozinho? Estas sensações são horríveis! Estou todo tenso!”

O primeiro crux para o meditante de primeira viagem é a sensação de não saber o que está acontecendo e o que precisa ser feito. A maior parte passa um tempo excessivo perdido em pensamentos (na queda d’água) e não começa de fato a observar as experiências no nível das sensações físicas e mentais. Quando isso finalmente acontece, algumas manifestações dos ñanas iniciais podem assustar e repelir aqueles menos motivados, ou propensos à evitar confrontos com estados / sensações / memórias dolorosas. É muito comum ainda perder-se em pensamentos sobre as experiências ao invés de continuar observa-las diretamente. Para evitar isso, é importante estar atento às reações da mente aos estados dolorosos e nota-los com precisão, no momento em que surgem. 

O ñana mais problemático é #3 (As Três Características) que tem duas fases distintas: solidificação, com várias manifestações dolorosas no corpo (agulhas, tensão, movimentos involuntários, calor); e desconstrução, na qual começamos a observar a experiência de solidez em suas partes constituintes, como sensações e vibrações que alternam entre diferentes partes do corpo, e entre sensações físicas e mentais. Quanto mais precisão nesta etapa, mais rápido será possível progredir ao…

2. High-times,  #4 Conhecimento do Surgir e Passar  

“Uau, finalmente estou fazendo isso certo! Isso é maravilhoso! Posso me sentar por horas sem mexer um dedo e sem fazer esforço algum! O que é esse energia subindo pelas minhas costas? Kundalini! Nada me afeta mais. Acho que estou iluminado… Tive uma experiência profunda… Entendi tudo… Finalmente me encontrei. Quero mostrar isso para o mundo inteiro…”

Neste estágio as sensações percebidas anteriormente como sólidas serão vistas como várias vibrações menores discretas surgindo e passando rapidamente. Meditar torna-se fácil, e a precisão da percepção torna-se absolutamente perfeita. 

Bem-vindo ao estágio mais sedutor de todo o caminho. Toda vez que você escutar sobre alguma experiência meditativa que soar fortemente alterada, envolvendo fenômenos energéticos, pense logo neste ñana. Sintomas comuns envolvem visões, OBEs, sonhos lúcidos, ver com os olhos fechados, insights filosóficos / espirituais, desejo de abandonar o mundo convencional e retirar-se para meditar, dentre outros.

Alguns podem precisar de fazer um esforço grande para chegar até ele, outros chegarão naturalmente ao longo de suas vidas sem um motivo aparente (inclusive enquanto ainda crianças ou adolescentes), e outros poderão fazer isso através do uso de substâncias psicodélicas (muito comum em trabalhos com ayahuasca, por exemplo). Como nos ñanas anteriores, as experiências deste estágio são todas transitórias, e os poderes de concentração, percepção, etc irão todos passar. Diferente dos ñanas anteriores, trata-se de um ponto de não-retorno. Depois de progredir até certo ponto deste estágio, seguiremos inevitavelmente aos ñanas seguinte. Isso é relevante, pois a fase seguinte é conhecida como…

3. The Crash, #5-10 A noite escura da Alma

“O que aconteceu? Não entendo… eu estava iluminado mas agora me sinto estranho. Estou sentindo dor e estou tendo pensamentos horríveis. Tenho pesadelos, visões desagradáveis. Não consigo meditar, estou inquieto e às vezes nem consigo ficar sentar imóvel! Sinto como se tudo estivesse morrendo! Quero ir embora para casa AGORA!”

Depois de observar as sensações surgindo e passando rapidamente, a mente começa a “sintonizar” apenas com o passar e desaparecer das sensações. Algumas vezes conseguiremos percebê-las apenas depois de terem desaparecido completamente. O centro da atenção torna-se um ponto cego, e a periferia torna-se mais clara. Os melhores adjetivos para esta fase seria: estranho e dissonante.

Bem vindo aos estágios menos atraentes de todo o caminho. Se você chegou até aqui, não precisa começar a sentir-se em casa ainda. O melhor a fazer é continuar praticando com mais afinco do que nunca. A prática seguramente irá parecer ineficiente, difícil e desagradável. Não porque você está fazendo algo errado, mas porque estas são as características destes ñanas! Se você passar todo o tempo lamentando a perda de suas habilidades presentes no Surgir e Passar você irá apenas prolongar seu tempo de sofrimento e miséria.

Uma vez nesta fase, a única coisa que você pode fazer para “resolver” a sua situação é continuar praticando. Se você por algum motivo decidir abandonar o retiro e ir para casa lidar com isso lá, os estados dolorosos irão persistir. Neste momento o que você precisa é de um ambiente adequado para continuar praticando (e.g. um retiro) e a melhor companhia possível é a de um bom professor. O tempo que você passa nesta fase é inversamente proporcional à sua disposição de apenas tentar continuar praticando bem e seguindo as instruções. Algumas pessoas levam apenas alguns dias, outras levam alguns anos.

Por mais horripilante que este estágio possa parecer, todos os sintomas são transitórios e irão desaparecer no ñana #11 Equanimidade. Portanto, se você não estiver em retiro, perceba que há uma diferença entre perceber o sofrimento da vida e achar que a vida é apenas isso. Faça o melhor para evitar destruir suas relações, trabalho e tente manter seus compromissos. Isso evitará muitos problemas quando você estiver de volta ao normal, com alguma perspectiva a mais, e tudo isso parecer um pesadelo distante.

O ponto alto do sofrimento é certamente o ñana #10 Re-observação. Se você achou que dissolução, miséria, nojo, desejo por salvação foram ruins, imagine todos eles juntos e amplificados. Pois bem, eis a “re-observação”. A mente torna-se um verdadeiro caos e funcionar é normalmente é praticamente impossível. Felizmente a experiência costuma durar apenas algumas horas ou poucos dias e logo que percebemos que trata-se mais de uma nuvem que atravessamos do que uma parede de tijolos na qual batemos. E assim alcançamos…

4. Peace at last, #11 Equanimidade

“A tempestade passou, que alívio. Uau, como este estado é profundo e espaçoso. Percebo processos que eram totalmente invisíveis para mim. Atenção, memória, intenções, esforço…consigo perceber todos os processos da mente como sensações / vibrações imediatamente depois de surgirem. Sinto que consigo acessar uma sabedoria muito profunda, e que estou acima de convenções sociais e normas morais. Algo está prestes a acontecer, posso sentir. O que foi isso?”

A característica não-eu (anatta) dos fenômenos físicos e mentais torna-se cada vez mais clara, e deve ser investigada em um nível de profundidade jamais experimentado. Isso é dizer que neste estágio investigamos todos os processos físicos e mentais que parecem ocupar o centro da percepção e parecem desempenhar o papel de um observador ou sujeito – não mais apenas no centro da atenção como no Surgir e Passar, nem apenas na periferia como na Noite Escura da Alma, mas em um campo completo que engloba toda nossa experiência da realidade.

Bem-vindo à equanimidade. Estamos à beira da entrada na correnteza. Muitos cairão, é claro, várias vezes de volta para os ñanas anteriores (#4-10) enquanto outros irão progredir e aprofundar rapidamente. Neste estágio não faz sentido falar de uma técnica de meditação, pois ela parece acontecer sozinha. Será fácil notar como a mente está buscando sincronizar-se, e o que exatamente precisa ser observado para que isso aconteça. Aos poucos, quaisquer formações que surgem, incluindo “esforço” e “intenção de praticar”, são abandonadas. Quando a mente finalmente sincroniza, exatamente como você engole o alimento depois de tê-lo mastigado o suficiente, ela para de direcionar-se aos fenômenos, e volta-se para o próprio ato de perceber. Estes são os ñanas #12-14 que duram apenas um segundo, nunca mais se repetem, e que alteram para sempre a nossa percepção e nossa experiência do mundo. No segundo seguinte, passamos por um cessar momentâneo, porém completo, da percepção. Este é o ñana #15 phala magga, também chamado de nibbana. 

Tudo isso pode ser, a princípio, quase imperceptível. No entanto, é notável que um forte ruído, do qual não estávamos até então conscientes, desaparece para sempre da mente. Algumas pessoas podem ficar em choque por algumas horas ou dias. As fruições (este cessar completo e momentâneo da percepção) se repetem várias vezes, geralmente dando origem à experiências que podem ser poderosas e agradáveis, ou em alguns casos, muito sutis – como se um peso tivesse levantado. De acordo com os textos tradicionais, todos que chegaram a este ponto alcançaram o 1º caminho (isto é, o 1º nível do despertar de um total de 4). Comparado com o Surgir e Passar (ñana #4) pode parecer quase um anti-climax, mas quem disse que nibbana ou despertar deveria vir como fogos de artifício?

“Todo o mundo está queimando,
todo o mundo está em chamas,
todo o mundo está incandescente,
todo o mundo está vibrando.
Mas aquilo que não vibra ou queima,
aquilo que é conhecido pelos nobres,
que a morte não alcança:
nisso a minha mente se compraz.”
Upacala Sutta, Samyutta Nikaya V.7.

5. Revisão

Os ñanas #4 – 11 (seguido por #15 fruição – através de uma das três portas) se repetem várias vezes em uma nova fase conhecida como Revisão. No princípio a experiência dos estágios já atravessados pode ser muito forte, e será difícil saber se trata-se da Revisão ou se caímos de volta na noite escura da alma sem ter alcançado a correnteza. A diferença reside no fato de que, se tivermos alcançado a correnteza, iremos gravitar inevitavelmente em direção aos ñanas mais elevados e à uma fruição. Aos poucos a mente irá dominar todos estágios, e poderá atravessa-los com facilidade. Poderá também, se assim desejarmos e praticarmos, aprender a evocar cada um deles para explorar suas características (até mesmo fora de ordem), e solidifica-los em jhanas de Samatha (estados profundos de concentração). Além disso, será possível ter a experiência de uma fruição à qualquer momento.

Quando estes estágios não mais apresentarem um desafio para a mente e forem integrados à nossa experiência, um novo ciclo começa, desde o início, para dar origem ao 2º caminho. Novas sensações e camadas da mente irão tornar-se visíveis e poderão ser investigadas. Para aqueles que tiverem condições de continuar praticando com afinco, é um bom momento de fomentar a intenção de alcançar o quanto antes os 4 caminhos.
[Setembro de 2015]

Referências:
(Bhikkhu) Analayo. “The Dynamics of Theravada Insight Meditation” in Buddhist Meditation Traditions: And International Symposium, Kuo-pin Chuang (ed), Taiwan: Dharma Drum Publishing Corporation, pp. 23-56.
Andrea Grabovac. “The Stages of Insight: Clinical Relevance for Mindfulness-Based Interventions” in Mindfulness. April 2014, DOI: 10.1007/s12671-014-0294-2. Disponível para download.
Daniel Ingram. “Estágios da meditação do Insight“. Traduzido por Bernardo Vasconcelos
_________. Ñana Graph
Jack Eagle; Daniel Brown; Ken Wilber. Transformations of Counsciousness, conventional and contemplative perspectives on development. Editora Shambala, 1986.
(Venerable) Mahasi Sayadaw. The Progress of Insight. Traduzido por Nyanaponika Thera
(Venerável) Mahathera Matara Sri Ñanaram. Um Guia aos Estágios Progressivos da Meditação Budista. Tradução: Casa de Dharma
(Venerable Ajarn) Tong Sirimangalo. The Only Way – An Introduction to Vipassana Meditation. Light of Dhamma Publications. Chiang Mai, 2003.

sábado, 21 de maio de 2016

Palestra Vesak no Jai Vida

Feriado nos países Theravada – Iluminação, aniversário e morte do Buddha.
Sem data definida, cai na primeira lua cheia de Maio. Ocasião de proporcionar a felicidade de outros.
Gostaria que todos saíssem com uma ideia um pouco melhor de: quem foi Buddha, o que foi seu despertar e porque isso importa para nós.
Parte 1 – Meditação
Quem pratica meditação?
A tradição ensina inúmeras técnicas e métodos sobre meditação. Essas técnicas existem desde a época anterior ao Buddha. O Buddha mesmo ensinou principalmente os princípios da meditação. Ele não estavam interessado em dizer: pratique assim! Cruze as pernas! Faça 3h por dia de meditação, e 200 flexões. Ele estava mais interessado em ensinar como as coisas funcionam.
Para fazemos isso, a primeira coisa que precisamos lembrar é que nós meditamos percebendo o que está acontecendo no nosso corpo e em nossa mente.
Eu não sei o que vocês acham, mas me parece curioso como nós temos nomes e classificações para tantas plantas e animais que existem, mas pouquíssimos nomes para toda a nossa fauna e flora de experiências interiores. Mas quantos será que precisamos?
O Buddha menciona alguns, quatro na verdade. São os fundamentos da atenção plena. Eu gostaria de começar convidando todos vocês para meditarmos por alguns momentos, e a explorarmos juntos estes aspectos da nossa experiência. Pode ser?
Prática (sentado ou em pé, o que for mais confortável)
Sempre que sentar-se para meditar, conecte-se com a sua intenção ou propósito. Por que você está aqui? Curiosidade? Para aventurar-se? Talvez você está buscando algo, e não sabe bem o que? Algum motivo desconhecido?
Tente dar um nome para essa experiência. Apenas temporário, nada definitivo; e conecte-se com a sua intenção de estar presente aqui e agora neste momento.
i. O que você sente no seu corpo agora? Quais são as sensações que presentes? Seu bumbum na almofada? Seu pé no chão? É quente ou frio? Forte ou fraco? Longo ou curto? Dê uma resposta interior para si mesmo, em tom claro e gentil: sensação forte; ou sensação quente; ou apenas sentindo.
ii. Qual o tom afetivo destas sensações: são prazerosas, talvez dolorosas; ou ainda quem sabe, nem um nem outro – sendo neutras?
iii. Talvez você perceba surgir alguns objetos mentais, como imagens, memórias, vozes, ideias. Quando você percebe elas, quanto tempo elas duram? Onde elas surgem no espaço do seu corpo? Gentilmente, nomeie aquela experiência que estiver acontecendo com mais frequência: dialogando internamente; ou vendo; ou lembrando.
iv. Há algum estado presente? Felicidade, tristeza, ansiedade? Onde no seu corpo você pode sentir isso? Tem algo que você está segurando? Gentilmente dê um nome ao que está surgindo na sua experiência. Perceba quantas vezes no curso da meditação esta experiência surge para você; e perceba também como ela é em cada vez que surge. É a mesma, ou é diferente?
“ACalma”
Muitas pessoas procuram a meditação para sentirem-se mais calmos. Elas sentam-se, e dizem para si mesmas: “fique quieto! fique calmo!” Apenas para descobrir que ninguém responde bem a ordens deste tipo.
A calma da meditação é diferente. Não é de obediência, nem de quem está com a vida ganha e resolvida. Muito pelo contrário…é a de quem está confortável com o caos ou a ordem da própria experiência! Nós sentamos e observamos. Notamos o que surge. Ok, esta é a situação: há medo presente, ou há confusão presente, ou até mesmo um pouco caos. Tudo que surgir, no fim, serão apenas sensações, tom afetivo, objetos mentais e estados.
Não há o que temer, basta estar aberto. É como naquele poema do poeta sufi Rumi:
Nossa vida humana é uma casa de hóspedes.
Toda manhã uma nova chegada.
A alegria, a depressão, a pequena maldade,
alguma percepção momentânea vem,
como um visitantes inesperado.
Receba e entretenha a todos,
mesmo que seja uma multidão de aflições,
que violentamente varre sua casa, e despeja os seus móveis.
Ainda sim, trate seus hóspedes com honras,
Eles podem estar te preparando para uma nova alegria.
O pensamento sombrio, alguma vergonha, a malícia,
recebe todas elas na porta, e convide para entrar.
Seja grato a quem vem,
porque cada um foi enviado como um guardião do além
Parte 2 – Fala
Gostaria de falar brevemente sobre o Buddha e depois abrir para algumas perguntas.
O Buddha foi o primeiro existencialista. É o que diz um grande amigo meu. Um dia ele estava andando pelas ruas de Lumbini – uma cidade aos pés do Himalaia – e percebeu que iria morrer.
Até então ele tinha levado uma vida muito boa, sob todos os aspectos convencionais – e para os parâmetros da época: maios ou menos século V antes de cristo. Seu pai era rei, ele era um príncipe, com uma esposa e um filho. No seu futuro poderia esperar governar sobre os Sakhyas. Mas por algum motivo nada mais daquilo fazia sentido, e ele queria apenas sair. Na calada na noite, foi embora. Trocou suas vestes – coisa fina, roupa de príncipe – por trapos que encontrou e começou viver como um andarilho mendicante.
O que ele descobriu em sua vida de asceta, e em busca de uma resposta para a vida, não foi algo concreto, que podia segurar firme e dizer: eis a resposta! εὑρεκα! E talvez por isso o Dharma seja algo delicado, sutil, de ensinar.
Todos ouvimos falar do despertar do Buddha como o seu nirvana. Normalmente esta é uma palavra que nos traduzimos como extinção, um fim – tal como a chama de uma vela que se apaga. Mas essa ideia parece ter uma conotação um pouco negativa, não é? Apagar, deixar de existir… Além disso, na época do Buddha muita gente acreditava que estamos condenados a nascer e re-nascer várias vezes; e nirvana é apenas o fim disso. Será que o nirvana então é algo como morrer de vez?
Eu acho que não. Na verdade, a imagem do fogo é muito boa, mas para entende-la de verdade precisamos saber um pouco sobre o que ela significava na época do Buddha. Os indianos tinham uma ideia muito peculiar sobre como o fogo funciona – lembrem-se estamos falando do século V antes de cristo. De modo simples, eles consideravam que o fogo está preso ao pavio da vela; e àquilo que queima. Apenas quando ele apaga, está finalmente livre.
Nirvana, meus amigos e amigas, é isso afinal: um soltar-se, libertar-se completamente. É o fim das amarras. O Buddha não ensina algo para você pensar ou segurar e chamar de “meu”. Não ensina algo, ensina como.
À noite, pedi a um velho sábio
que me contasse todos os segredos do universo.
Ele murmurou lentamente em meu ouvido:
– Isto não se pode dizer, isto se aprende.
Como soltar-se e estar livre em meio a um mundo condenado a ficar dando voltas ao redor de si mesmo, como um cãozinho que não percebe que persegue o próprio rabo.
Como fazer isso passa pelo belo caminho do meio, e por todos os ensinamentos sobre o Nobre Caminho Óctuplo, e pela prática de Vipassana. Mas eu gostaria de deixar algo tempo para vocês perguntarem. Ou será que já estão todos despertos…?
Vem,
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável,
Gira apaixonado
Em torno do sol.